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Meus textos

segunda-feira, 30 de março de 2009

UNIÃO E UNIFICAÇÃO

(Mensagem enviada por Milton Medran)
Amigos da ASSEPE e companheiros da CEPA:
Esse episódio da retirada a que se viram forçados esses jovens de João Pessoa, da Federação Estadual, permite que se faça, aqui, neste espaço livre de debates, alguma reflexão sobre a questão da UNIÃO e da UNIFICAÇÃO no movimento espírita. Por isso, permiti-me alterar o título do "assunto" ali acima exposto, para este novo.
Já disse, em alguns artigos que escrevi, que considero o chamado processo de UNIFICAÇÃO, tal como implementado a partir da política hegemônica da Federação Espírita Brasileira (e estendida ao movimento mundial através de seu braço internacional, o CEI) altamente prejudicial aos ideais de UNIÃO dos espíritas. Esta, segundo propunha Kardec, deveria se dar de forma horizontal, a partir dos princípios gerais que todos aceitamos, e, jamais, a partir da interpretação de um grupo ou, mesmo, de um país cujo movimento quisesse impor suas interpretações particulares e seu modelo de administração para os demais.

A política hegemônica que daqui se irradiou tomou como "dogmas" algumas interpretações feitas por espíritos (encarnados e desencarnados) com forte influência histórica católica. A partir do mito "Brasil, Coração do Mundo e Pátria do Evangelho", sedimentou-se a ideia de que a "religião espírita", aqui implantada em cumprimento a uma missão verdadeiramente divina, deveria seguir tais e tais princípios (alguns deles claramente anti-kardequianos) e sob uma estrutura institucional igualmente sagrada e missionária.
De uma maneira geral, todos nós que ingressamos no movimento inseridos nesse esquema sedimentamos no mais íntimo de nossa consciência, no inconsciente talvez, essa ideia de que, afastando-nos dele, estaríamos, "ipso facto", renegando o próprio espiritismo. Trouxemos isso de nossas vivências religiosas passadas, onde a obediência à Igreja é um princípio tão forte que, havendo conflito entre ela e a nossa consciência, deveríamos, assim mesmo, permanecer fiéis à Igreja, silenciando nossa consciência.
Essa ideia, da qual, por razões políticas, se apropriou também o movimento espírita chamado "unificador", é a própria garantia da hegemonia e do poder. E isso causa um estrago tão grande em nosso inconsciente que, mesmo quando tomamos atitudes de ruptura, como aquela que muitos de nós já tomou, persiste - queiramos ou não - um certo sentimento de culpa e uma vaga sensação de ilegitimidade de nossa condição de espíritas. É como se houvesse sedimentado em nós a crença de que fora das federações não houvesse espiritismo. Algo assim como em alguns movimentos iniciáticos (a maçonaria, por exemplo), onde vigoram alguns princípios férreos de "regularidade", ausentes os quais, o sujeito, mesmo professando todos os princípios inerentes à ordem, não pode se apresentar como maçon, pois que não formalmente ligado a uma instituição tida como "regular".
Por isso também, quando temos a coragem de romper, resta em nossos espíritos um certo quê de frustração, de ausência, de perda, que cria a necessidade de, a todo o momento, nos justificarmos perante nós e perante os outros.
Esse sentimento só poderá ser inteiramente debelado quando formarmos entre nós um elo que una todos os espíritas realmente progressistas e livre-pensadores. A ASSEPE e a CEPA têm isso muito claro. Creem na união entre todos os espíritas, a partir daqueles princípios e valores que a todos nós parecem claros, mas rejeitam essa obediência cega a princípios impostos institucionalmente, de cima para baixo, e insuscetíveis de discussão e debate.
Kardec queria que o progresso do espiritismo se desse a partir de seus Congressos que teriam autoridade para introduzir princípios novos ou modificar entendimentos anteriormente adotados, a partir do consenso obtido nesses eventos. O livre exame e a capacidade de discutirmos ideias fundadas na realidade do espírito seria o nosso elo de UNIÃO. A política de UNIFICAÇÃO, ao contrário, parte de alguns posicionamentos, pretensamente ditados pelos "espíritos superiores" (não mais que meia dúzia, interpretados por dois ou três médiuns "confiáveis"), e que devem ser aceitos sem contestação ou debate. Isso é o que também estabelece a diferença entre "religião" e "livre-pensamento". Romper com aquela e dedicar-se a este não é tarefa fácil para qualquer um de nós. Mesmo depois de concretizada a ruptura, guardamos, sem querer, pruridos difíceis de remover. O mais fácil e cômodo é reproduzirmos esse mesmo modelo no nosso movimento, como historicamente temos feito. Tenho dito, igualmente, que é muito mais fácil "mudar de religião", como, por exemplo, deixar o catolicismo e adotar a religião espírita, do que torna-se um livre-pensador (que é uma condição inerente ao verdadeiro espírita).
Bem, digo tudo isso, para, uma vez mais, deixar meu incentivo a todos aqueles que protagonizaram o recente episódio da Federação Espírita da Paraíba, mas também para dizer a eles que a só retirada política e institucional não resolve o problema. Quem toma uma atitude dessas gera inquietações íntimas que antes não tinha e que, a partir de agora, terá de administrar com serenidade e com espírito de liberdade. Isso é apenas o primeiro passo. Corajoso, mas que abre ao espírito uma caminhada cheia de desafios e de desconfortos.
Agora, que vale a pena, vale!
Abraços
Milton Medran - Porto Alegre

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